Por que eu não bato no meu filho

Há uma história famosa na filosofia conhecida como Anel de Giges, que conta sobre um anel que teria o poder de deixar seu dono invisível. Quando Glauco contou essa história a Sócrates, eles certamente não conversavam sobre paternidade, mas o causo me ajuda a pensar. O que você faria se pudesse ficar invisível? Por favor, não responda! Glauco acreditava que ninguém faria o bem. Sócrates discordava, argumentando que deveríamos buscar o bem mesmo que ninguém estivesse vendo. A questão é simples: eu não quero ensinar meu filho a buscar o bem apenas quando existe vigilância e coerção, quero ensiná-lo buscar o bem por princípio.

Parafraseando Marshall McLuhan, acredito que não importa o que você diga quando bate em seu filho, a palmada é a mensagem. Talvez a palmada possa até ser eficiente para inibir imediatamente um comportamento desagradável, mas acho que educar é mais do que isso, não? Quero crer que educar é pensar na formação do sujeito, no longo prazo, nas pessoas que queremos colocar nesse mundo. Talvez sem a palmada ele dê mais trabalho e insista mais na manha. Mas ele é uma criança. A birra passa. O exemplo da palmada, da solução mais fácil, da solução pela força, que é imposição e não solução, essa fica. Ou, resumindo, batendo em filho talvez eu até consiga ensiná-lo muita coisa, mas seria incapaz de ensiná-lo a não bater nos outros. 

Por aqui, já tivemos reclamações do Samuel empurrando e puxando colegas na escola e ainda ouvimos nosso filho dizer que ele "é homem que bate". O que segurou a onda foi exatamente dizer: você já viu seu pai ou seu tio bater em alguém? Não sei quanto tempo vai durar, mas agora pelo menos ele diz que vai comer para ficar forte igual a gente para jogar futebol e não bater.

Isso tudo me leva a uma outra questão específica: bater não é coisa de menino, nem de ninguém. Bater é errado, é desrespeitar o corpo do outro e é crime. Quando as crianças chegam em casa com uma mordida ou um arranhão, ouço muitos pais dizerem para os filhos se defenderem e morderem de volta. Mas pense bem na mensagem. Quando fazemos isso, não estamos ensinando nossos filhos que a defesa da própria imagem por meio do uso da violência é mais importante que o respeito pelo corpo do outro? Não estamos reproduzindo esse traço absurdo da socialização masculina que insiste que a defesa da honra vale mais que o respeito pela integridade dos outros e, sobretudo, das outras?

Às vezes, quando se conversa sobre esses assuntos, as pessoas insistem na falácia de uma suposta tradição, dizendo que "nós fomos educados assim e estamos bem". Gente, nós não estamos bem. Nós vivemos em uma sociedade que estupra uma mulher a cada 11 minutos. É preciso mudar a educação dos meninos urgentemente. E nós somos responsáveis por isso.

Por fim, vale ressaltar: deixar de bater não é deixar a criança fazer o que quiser. Acredito que seja imprescindível ensinar a respeitar o "não", mas não a partir da ideia da violência e sim a partir da confiança. Tem coisas que eu sei e que meu filho não sabe. As crianças são capazes de aceitar isso sem a necessidade da violência. Aceitar o "não" é um voto de confiança que as crianças são capazes de fazer, se os pais estiverem dispostos a explicar. Até que o dia chegue em que talvez eu não tenha mais nenhum segredo sobre o mundo e que a gente se coloque em pé de igualdade diante desse mistério que é a vida.

Samuca e Bebel - um site sobre infância, paternidade e tudo que acontece nessa relação entre pais e filhos. Escrito por Caio Moretto Ribeiro.

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