Música de ninar

A música de ninar é o ritmo calmo do exterior se impondo sobre o ritmo agitado do interior. Bem, é assim que explica Platão, que, até onde eu sei, nunca teve filhos. Quando o Samuel era pequeno, parecia funcionar bem, tão bem que, como diz Antônio Prata, era possível cantar uma receita de bolo que ele dormiria, desde que a voz fosse suave e o ritmo constante. Agora não. Ele quer escolher a música, que inevitavelmente acaba sendo Alecrim. Qualquer outra música é cilada, pois será seguida de um pedido singelo: “agora o Alecrim!”.

Todos conhecem a música, que pode ser dividida em duas partes: “alecrim dourado que nasceu no campo...” e “foi meu amor que me disse assim...”. Acontece que há um loop infinito do qual não consigo me desvencilhar. Se acabo no final da segunda, ele chora: “você não falou que nasceu no campo”; se repito a primeira parte e encerro nela, ele diz para eu “cantar a outra parte”. Tenho a impressão que desde o primeiro que cantei Alecrim estamos, segundo os dados oficiais do Samuca, na mesma música.

O problema é que, depois da quarta vez cantando, eu quero achar o fim da música e começo a acelerar, mudar o ritmo, fazer um tom de finalização. Mas nesse ponto, aquela melodia suave e constante já foi para o espaço junto com toda a pedagogia e estou gritando “NASCEU NO CAMPO! NO CAMPO! OUVIU?”. Samuel chora.

- Papai, você está bravo.
- Não estou bravo, filho.
- Papai, não fica bravo, vou cantar o Alecrim para você acalmar.

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