Um dia normal
Hoje, depois de dar aula, peguei
o Samuel na escola. No caminho de casa, conversamos sobre o dia e tentei adivinhar
a música da festa junina. Falei um pouco sobre emprestar brinquedos e outros
assuntos menos disciplinadores. Chegando em casa, enquanto eu preparava algo
para comer, lembrei que ainda não tinha tirado foto dele fazendo hambúrguer de
massinha com as tampas de garrafa - “é tampinha-copo de fazer hambúrguer, pai!”
- e providenciei uma.
A Mari contou que a Bebel tinha
aprendido algo novo e colocou-a de barriga para baixo no tapete. Uou, uou, uou...
virou! Comemoramos! O Samuca fez “toca aqui” com ela. Depois brincamos de
conchinhas (“Cuidado para não tropeçar na Bebel, filho!”), recolhemos as
conchinhas com o rodo, quebramos conchinhas sem querer, jogamos bola, esperamos
um orçamento que nunca chegou e lemos livro de achar figuras. Ele brincou com o
dinossauro que nasceu do ovo, eu fiquei com sono, fizemos café. “Não, Samuca, não
é hora de comer fruta agora”.
Por algum motivo que não me
lembro, pedimos para o Samuca esperar “paradinho” na cozinha. “Não vou!”. Fui
correndo contar para a Mari que ele estava se rebelando e se mexendo o máximo
que conseguia em seu lugar. Ficamos espiando um pouco. Falamos sobre o jantar,
o preço da carne e planos futuros. Assistimos desenhos, cantamos “alô galera
bate a mão e bate o pé” no banho. Com o dinossauro. A Mari leu uma história com
eles na cama. A Bebel chorou, peguei-a no colo. Nada. Só parou quando
chacoalhava batendo o calcanhar no chão. Só dor no ombro. Trocamos.
Um dia absolutamente normal e, ao
mesmo tempo, que dia!
Às vezes me pego pensando que
gostaria de ganhar um pouco mais para poder viajar mais em família. E tem dias
que até me perco um pouco nessa ideia, deixando a frustração me tomar. Mas a
Bebel rolou, o Samuel se rebelou e poxa... Que dia!
Sei que grande parte disso depende
de alguns privilégios, mas outra parte são escolhas pensadas, discutidas. Dois
tipos de escolhas, aliás. Escolhas práticas, entre um emprego que ganha mais e
trabalha mais e um emprego que ganha menos mas trabalha menos, por exemplo. Mas
também escolhas ligadas a modos de olhar o mundo, de se inventar. A escolha
cotidiana e difícil de rejeitar uma visão de sucesso ligada à capacidade de
consumo. A escolha de construir uma paternidade prazerosa e significativa como
um projeto existencial. Por muita sorte, vivo com uma mulher maravilhosa e tenho
amigos incríveis que validam (não sem atritos) esse projeto, de forma que nos
construímos juntos nessas relações (também construídas, diga-se de passagem).
Curtir a rebeldia do Samuca, a rolada
da Bebel e comemorar tudo isso é um baita privilégio, mas também é um processo
de conversão do olhar, um exercício de escrita, de reflexão, de diálogo, de
validação e de negação, de modelagem, de invenção. É lógico que esse processo tem
seus custos, mas também cria novas formas de prazer. E que dia!