Virar avião

Durante o jantar, o Samuel falou: "os meninos vão comer bastantão para virar príncipes e as meninas vão comer bastantão para virar princesas". Não sei de onde veio a ideia, mas pelo menos essas princesas vão poder comer bastantão, pensei. Uma troca de olhares entre os pais e já sabíamos o que fazer.

Mari: "Cada um pode comer bastantão para ser o que quiser. Eu vou comer bastantão para virar detetive. E você, Cá?
Caio: "Eu vou comer bastantão para virar um pirata! E você, Muca?"
Samuca: "Eu vou comer bastantão para virar um avião. Vvrrrrrrummmmm!"

Rimos satisfeitos com a intervenção e orgulhosos da capacidade dele de sonhar e imaginar, quando a gente não restringe tudo a príncipes e princesas. 

Sei que para muita gente é frescura, mas nós nos incomodamos bastante com essas imagens por conta das relações de gênero que alimentam: a objetificação e submissão da mulher ao tratar a princesa como aquela que espera passivamente e que deve ser conquistada e o príncipe como o aventureiro ativo que deve conquistar.

Mas dessa vez, pensando sobre o caso, surgiu um outro incômodo.

Ao contrário do que diz Maquiavel a Lorenzo de Médici, o príncipe (e sobretudo a princesa) dos contos de fada não precisa ter nenhuma virtude adquirida. São histórias que valorizam a beleza e a nobreza, ambas características hereditárias e altamente contestáveis. 

Não há sentido em valorizar ou desvalorizar características que não podem ser adquiridas, pois isso resultaria em estimular a formação de preconceitos.

Afinal, não é nossa responsabilidade criar pessoas o menos preconceituosas possível que sejam capazes de conviver em uma sociedade múltipla e diversa, em que pessoas diferentes possam, todas, cada uma a seu modo, ser "felizes para sempre"?

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Samuca e Bebel - um site sobre infância, paternidade e tudo que acontece nessa relação entre pais e filhos. Escrito por Caio Moretto Ribeiro.

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